Publicado em 07 nov 2023

A obrigatoriedade das normas técnicas da ABNT na legislação brasileira

Redação

Como a legislação nacional incorpora as normas da ABNT, impactando os diversos setores. A inclusão das normas técnicas da ABNT como critério de comprovação de qualidade em licitações exemplifica a crescente influência dessas normas no direito administrativo e no setor público. Esse movimento em direção a um reconhecimento mais abrangente das normas técnicas demonstra um compromisso com a transparência e a eficiência na administração pública.

Mauricio Ferraz de Paiva – 

A relevância das normas técnicas brasileiras, homologadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), ultrapassa a esfera meramente técnica, infiltrando-se profundamente no ordenamento jurídico do Brasil. As normas elaboradas por consenso em comissões setoriais da ABNT não apenas orientam, mas tornam-se obrigatórias por força de lei, decretos, regulamentos e outras formas de atos normativos.

Essa integração normativa é particularmente evidente no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Estabelecido pela Lei nº 8.078 de 1990, o CDC é um marco na proteção dos direitos do consumidor brasileiro, determinando que produtos ou serviços não podem divergir das normas expedidas por órgãos oficiais ou, na ausência destas, das normas da ABNT.

Esta exigência legal enfatiza a necessidade de uniformidade e qualidade no mercado, resguardando a segurança e os direitos dos consumidores. O CDC, em seu artigo 39, VIII, proíbe a oferta no mercado de produtos ou serviços que não estejam em conformidade com as normas da ABNT quando não houver uma normativa específica de um órgão oficial competente. Essa vinculação direta entre as normas técnicas e a lei realça a importância da normalização para garantir a uniformidade, a qualidade e, sobretudo, a segurança dos consumidores.

Além disso, os idealizadores do CDC ressaltam a relevância das normas técnicas no contexto de uma economia baseada na produção em massa, enfatizando que a normalização impacta diretamente na qualidade dos produtos e serviços, abordando desde questões de segurança até a adequação ao uso proposto. Isso demonstra uma consciência clara de que as normas técnicas são indispensáveis para o bom funcionamento do mercado, atendendo a interesses essenciais como saúde, economia de energia e proteção ao consumidor.

Nessa perspectiva, o Decreto nº 2.181 de 1997, que regulamenta o CDC, especifica as práticas infrativas e as respectivas sanções administrativas para o descumprimento das normas. A colocação no mercado de produtos ou serviços que não atendam às normas da ABNT está claramente categorizada como infração, sujeita a penalidades como multas, apreensão e inutilização de produtos, dentre outras.

Essas medidas enfatizam a seriedade com que o cumprimento das normas técnicas é tratado no Brasil, refletindo um esforço normativo para assegurar a conformidade e proteção no mercado consumidor. No âmbito da Anvisa, a aplicação das normas técnicas da ABNT também é significativa e extensa. As Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA, como a RDC nº 308 de 2004, por exemplo, estabelecem normas rigorosas para o gerenciamento de resíduos em serviços de saúde, obrigando a observância de várias NBR da ABNT.

Tais regulamentos não apenas asseguram as práticas seguras e eficazes no setor de saúde, mas também sublinham a responsabilidade ambiental e social dessas instituições. Igualmente, a RDC nº 50 de 2002 da Anvisa, que trata dos projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, demanda a adoção de diversas normas da ABNT. Isso inclui especificações para estruturas, materiais e funcionalidades, garantindo que os espaços de saúde sejam não só eficientes, mas também seguros e confortáveis para pacientes e profissionais. Essas exigências refletem uma abordagem holística e detalhada na regulamentação do ambiente de saúde, demonstrando a preocupação com todos os aspectos que envolvem o cuidado ao paciente.

No contexto da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133 de 2021), o artigo 42 enfatiza a importância das normas técnicas da ABNT no processo de licitação pública no Brasil. Este artigo inova ao permitir que a prova de qualidade de um produto, apresentado como similar ao especificado no edital, seja demonstrada pela sua conformidade com as normas técnicas estabelecidas pela ABNT ou outras entidades credenciadas pelo Inmetro.

Essa disposição legal reflete uma tendência de modernização e flexibilização nas licitações, garantindo, simultaneamente, a manutenção de elevados padrões de qualidade. Ao aceitar as normas da ABNT como referência para comprovar a qualidade dos produtos, o legislador não apenas fortalece o papel da associação na definição de padrões técnicos, mas também promove uma maior competitividade entre fornecedores, favorecendo a adoção de práticas inovadoras e econômicas sem comprometer a segurança e a eficiência.

A inclusão das normas técnicas da ABNT como critério de comprovação de qualidade em licitações exemplifica a crescente influência dessas normas no direito administrativo e no setor público. Esse movimento em direção a um reconhecimento mais abrangente das normas técnicas demonstra um compromisso com a transparência e a eficiência na administração pública.

Ao fornecer um mecanismo claro e objetivo para avaliar a qualidade dos produtos, o art. 42 da Lei nº 14.133 de 2021 facilita o processo decisório dos gestores públicos, assegurando que as aquisições realizadas pelo governo atendam a critérios técnicos confiáveis e estabelecidos. Essa aproximação entre as normas técnicas e as práticas de licitação não só otimiza os recursos públicos, mas também reforça os pilares de justiça e igualdade no acesso às oportunidades de contratação com o Estado, contribuindo para um mercado mais justo e equilibrado.

Além desses exemplos, existem numerosos outros atos normativos que exigem a adesão às normas técnicas da ABNT em diferentes setores. A prevalência dessas exigências ilustra claramente como as normas técnicas, mais do que simples recomendações, são instrumentos legais essenciais para a garantia de qualidade, segurança e eficácia em uma ampla gama de áreas no Brasil. A obrigatoriedade das normas técnicas da ABNT na legislação brasileira é um exemplo concreto da interação dinâmica entre a técnica e o direito, assegurando que o desenvolvimento técnico e industrial ocorra de forma regulada, segura e sustentável.

Mauricio Ferraz de Paiva é engenheiro eletricista, especialista em desenvolvimento em sistemas, presidente do Instituto Tecnológico de Estudos para a Normalização e Avaliação de Conformidade (Itenac) e presidente da Target Engenharia e Consultoria – mauricio.paiva@target.com.br

Artigo atualizado em 02/01/2024 05:39.

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